A Páscoa e os Celtas
Muito antes de ser considerada a festa da ressurreição de
Cristo, a Páscoa anunciava o fim do inverno e a chegada da primavera. A Páscoa
sempre representou a passagem de um tempo de trevas para outro de luzes, isto
muito antes de ser considerada uma das principais festas da cristandade. A
palavra “páscoa” – do hebreu “peschad”, em grego “paskha” e latim “pache” –
significa “passagem”, uma transição anunciada pelo equinócio de primavera (ou
vernal), que no hemisfério norte ocorre a 20 ou 21 de março e, no sul, em 22 ou
23 de setembro.
A páscoa judaica (em hebraico פסח, ou seja, passagem) é o
nome do sacrifício executado em 14 de Nissan segundo o calendário judaico e que
precede a Festa dos Pães Ázimos (Chag haMatzot). Geralmente o nome Pessach é
associado a esta festa também, que celebra e recorda a libertação do povo de
Israel do Egito, conforme narrado no livro de Êxodo.
A festa cristã da Páscoa tem origem na festa judaica, mas
tem um significado diferente. Enquanto para o Judaísmo, Pessach representa a
libertação do povo de Israel no Egito, no Cristianismo a Páscoa representa a
morte e ressurreição de Jesus (que supostamente aconteceu na Pessach) e de que
a Páscoa Judaica é considerada prefiguração, pois em ambos os casos se celebra
uma “libertação do povo de Deus”, a sua passagem da escravidão (do Egito/do
pecado) para a liberdade.
De fato, para entender o significado da Páscoa cristã, é
necessário voltar para a Idade Média e lembrar dos antigos povos pagãos
europeus que, nesta época do ano, homenageavam Ostera, ou Esther – em inglês,
Easter quer dizer Páscoa.
Ostera (ou Ostara) é a Deusa da Primavera, que segura um ovo
em sua mão e observa um coelho, símbolo da fertilidade, pulando alegremente em
redor de seus pés nus. A deusa e o ovo que carrega são símbolos da chegada de
uma nova vida. Ostara equivale, na mitologia grega, a Persephone. Na mitologia
romana, é Ceres.
Estes antigos povos pagãos comemoravam a chegada da
primavera decorando ovos. O próprio costume de decorá-los para dar de presente
na Páscoa surgiu na Inglaterra, no século X, durante o reinado de Eduardo I
(900-924), o qual tinha o hábito de banhar ovos em ouro e ofertá-los para os
seus amigos e aliados.
Por que o ovo de Páscoa?
O ovo é um destes símbolos que praticamente explica-se por
si mesmo. Ele contém o germe, o fruto da vida, que representa o nascimento, o
renascimento, a renovação e a criação cíclica. De um modo simples, podemos
dizer que é o símbolo da vida.
Os celtas, gregos, egípcios, fenícios, chineses e muitas
outras civilizações acreditavam que o mundo havia nascido de um ovo. Na maioria
das tradições, este “ovo cósmico” aparece depois de um período de caos.
Na Índia, por exemplo, acredita-se que uma gansa de nome Hamsa
(um espírito considerado o “Sopro divino”), chocou o ovo cósmico na superfície
de águas primordiais e, daí, dividido em duas partes, o ovo deu origem ao Céu e
a Terra – simbolicamente é possível ver o Céu como a parte leve do ovo, a
clara, e a Terra como outra mais densa, a gema.
O mito do ovo cósmico aparece também nas tradições chinesas.
Antes do surgimento do mundo, quando tudo ainda era caos, um ovo semelhante ao
de galinha se abriu e, de seus elementos pesados, surgiu a Terra (Yin) e, de
sua parte leve e pura, nasceu o céu (Yang).
Para os celtas, o ovo cósmico é assimilado a um ovo de serpente. Para eles, o ovo contém a representação do Universo: a gema representa o globo terrestre, a clara o firmamento e a atmosfera, a casca equivale à esfera celeste e aos astros.
Na tradição cristã, o ovo aparece como uma renovação
periódica da natureza. Trata-se do mito da criação cíclica. Em muitos países
europeus, ainda hoje há a crença de que comer ovos no Domingo de Páscoa traz
saúde e sorte durante todo o resto do ano. E mais: um ovo posto na sexta-feira
santa afasta as doenças.
Por que o Coelho de Páscoa?
Coelhos não colocam ovos, isto é fato! A tradição do Coelho
da Páscoa foi trazida à América por imigrantes alemães em meados de 1700. O
coelhinho visitava as crianças, escondendo os ovos coloridos que elas teriam de
encontrar na manhã de Páscoa.
Uma outra lenda conta que uma mulher pobre coloriu alguns
ovos e os escondeu em um ninho para dá-los a seus filhos como presente de
Páscoa. Quando as crianças descobriram o ninho, um grande coelho passou
correndo. Espalhou-se então a história de que o coelho é que trouxe os ovos. A
mais pura verdade, alguém duvida?
No antigo Egito, o coelho simbolizava o nascimento e a nova
vida. Alguns povos da Antiguidade o consideravam o símbolo da Lua. É possível
que ele se tenha tornado símbolo pascal devido ao fato de a Lua determinar a
data da Páscoa.
Mas o certo mesmo é que a origem da imagem do coelho na
Páscoa está na fertililidade que os coelhos possuem. Geram grandes ninhadas!
Assim, os coelhos são vistos como símbolos de renovação e início de uma nova
vida. Em união com o mito dos Ovos de Páscoa, o Coelho da Páscoa representa a
renovação de uma vida que trará boas novas e novos e melhores dias, segundo as
tradições.
Outros símbolos da Páscoa
O cordeiro é um dos principais símbolos de Jesus Cristo, já
que é considerado como tendo sido um sacrifício em favor do seu rebanho.
Segundo o Novo Testamento, Jesus Cristo é “sacrificado” durante a Páscoa
(judaica, obviamente). Isso pode ser visto como uma profecia de João Batista,
no Evangelho segundo João no capítulo 1, versículo 29: “Eis o Cordeiro de Deus,
Aquele que tira o pecado do mundo”.
Paulo de Tarso (na primeira epístola a Coríntio no capítulo
5, versículo 7) diz: “Purificai-vos do velho fermento, para que sejais massa
nova, porque sois pães ázimos, porquanto Cristo, nossa Páscoa, foi imolado.“
Jesus, desse modo, é tido pelos cristãos como o Cordeiro de
Deus (em latim: Agnus Dei) que supostamente fora imolado para salvação e
libertação de todos do pecado. Para isso, Deus teria designado sua morte
exatamente no dia da Páscoa judaica para criar o paralelo entre a aliança
antiga, no sangue do cordeiro imolado, e a nova aliança, no sangue do próprio
Jesus imolado. Assim, a partir daquela data, o Pecado Original tecnicamente
deixara de existir.
A Cruz também é tida como um símbolo
pascal. Ela mistifica todo o significado da Páscoa, na ressurreição e também no
sofrimento de Jesus. No Concílio de Nicea em 325 d.C, Constantino decretou a
cruz como símbolo oficial do cristianismo. Então, ela não somente é um símbolo
da Páscoa, mas o símbolo primordial da fé católica.
O pão e o vinho simbolizam a vida eterna, o corpo e o sangue
de Jesus, oferecido aos seus discípulos, conforme é dito no capítulo 26 do
Evangelho segundo Mateus, nos versículos 26 a 28: “Durante a refeição, Jesus
tomou o pão, benzeu-o, partiu-o e o deu aos discípulos, dizendo: Tomai e comei,
isto é meu corpo. Tomou depois o cálice, rendeu graças e deu-lho, dizendo: Bebei
dele todos, porque isto é meu sangue, o sangue da Nova Aliança, derramado por
muitos homens em remissão dos pecados.“
Por que a Páscoa nunca cai no mesmo dia todos os anos?
O dia da Páscoa é o primeiro domingo depois da Lua Cheia que
ocorre no dia ou depois de 21 março (a data do equinócio). Entretanto, a data
da Lua Cheia não é a real, mas a definida nas Tabelas Eclesiásticas. (A igreja,
para obter consistência na data da Páscoa decidiu, no Concílio de Nicea em 325
d.C, definir a Páscoa relacionada a uma Lua imaginária – conhecida como a “lua
eclesiástica”).
A Quarta-Feira de Cinzas ocorre 46 dias antes da Páscoa, e
portanto a Terça-Feira de Carnaval ocorre 47 dias antes da Páscoa. Esse é o
período da quaresma, que começa na quarta-feira de cinzas.
Com esta definição, a data da Páscoa pode ser determinada
sem grande conhecimento astronômico. Mas a seqüência de datas varia de ano para
ano, sendo no mínimo em 22 de março e no máximo em 24 de abril, transformando a
Páscoa numa festa “móvel”. De fato, a seqüência exata de datas da Páscoa
repete-se aproximadamente em 5.700.000 anos no nosso calendário Gregoriano.
Tabela com as datas da Páscoa até 2020
2018: 1 de Abril (Igrejas Ocidentais); 8 de Abril (Igrejas
Orientais)
2019: 21 de Abril (Igrejas Ocidentais); 28 de Abril (Igrejas
Orientais)
2020: 12 de Abril (Igrejas Ocidentais); 19 de Abril (Igrejas
Orientais)
No final das contas, a páscoa é mais um rito de povos
antigos, assimilado pela Igreja Cristã de modo a impor sua influência.
Substituindo venerações à natureza (como no caso da Lua ou do Equinócio,
tipicamente pagãs) por uma outra figura da mitologia, tomando os significados
do judaísmo, os símbolos celtas e fenícios, remodelando mediante os Evangelhos
e dando uma decoração final, criou-se um “ritual colcha de retalhos”.
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