O crochê, a aranha e o indivíduo

Sempre dedico um tempo para fazer alguma atividade que me dê prazer e, entre estas atividades, dia desses peguei-me confabulando com minhas agulhas e lãs em mais uma criação em crochê tunisiano.

Na mais absoluta verdade em direção a uma boa autoconfissão, cada vez mais me dou conta do quanto sou impulsiva (seria compulsiva? Seja lá o que for...) por produção. Explico: Não sei ficar sem produzir algo.

Todos os anos, com a chegada do inverno, sou ‘tomada’ por impulsos em produzir algo com lãs e agulhas e este ano não foi nada diferente, a não ser pelo ‘modelito’, desta vez inspirado em um casaco de uma cliente que adentrou o meu consultório.

Com muito carinho ela me cedeu o casaco para ‘tirar o modelo’ e, tão logo me vi disponível, saí às compras das lãs da moda (agulhas eu já as tinha) e... lá fui eu produzir e produzir, ponto a ponto...

Pois bem, entre a produção de uma e outra carreira em pontos de crochê, me deliciando com a forma que o trabalho ia tomando, meio que ‘em transe’, de repente me vi produzindo algo completamente diferente, porém não menos ‘entrelaçado’ (como os pontos na agulha). Entre uma laçada e um ponto alto, minhas teias neuronais ‘teciam’ uma série de pensamentos que me levaram até o teclado... e, ali segui eu ‘tecendo’ a escrita desta ‘trama’ toda.

Minha nossa! Quanta confusão! Será?

Enquanto produzia pensava assim: “uma agulha rija e fria, de ponta arredondada em forma de gancho desliza sobre um fio macio, completamente flexível, modulável e permissivo de total adequação às formas”... e a tecedura vai tomando forma! Tecer... Teia... Aranha!!!

Pronto, bastou para aguçar outra forma de produção em mim: A pesquisa.

Assim sendo, até como forma de equilíbrio entre a produção artesanal e a produção intelectual, iniciei minhas conjecturas procurando pela aranha e sua habilidade em tecer sua teia (aqui me senti bem feliz em saber que ela - a aranha - também é impulsiva por produção, rs).

Em minhas pesquisas aprendi que a aranha fixa uma extremidade num suporte, por meio de um líquido viscoso, um tipo de proteína, que é segregado por glândulas situadas debaixo do abdômen e que endurece ao entrar em contato com o ar e, a estrutura e o formato da teia dependem da finalidade.
Aprendi que a tenacidade, a resistência e a elasticidade deste fio continuam a intrigar os cientistas, que se perguntam o que dá a este material natural suas qualidades inusitadas. Mais fina que um fio de cabelo, mais leve que o algodão, e (nas mesmas dimensões) mais forte que o aço, a teia ”atormenta” os cientistas que tentam copiar suas propriedades, ou sintetizá-la, para produção em larga escala.

Aprendi que a aranha é vista como uma intermediária entre o céu e a terra, no seu trabalho infinito de fiar, capturar, desfazer e renovar e, por isso ela simboliza a alternância das forças que sustentam a estabilidade cósmica. A aranha fica ligada à teia por um fio e apercebe-se de tudo pela vibração.

Aprendi também que no xamanismo (mais antiga prática espiritual, médica e filosófica da humanidade) ela representa a medicina da criação e inspira a visão e o poder para trazer nossos sonhos até a realidade.

Medicina da CriaçãoTaí... Retorno ao crochê? Aprendi que o termo ‘crochê’ tem origem na palavra francesa croc, que significa gancho, mas onde e como surgiu, ninguém atesta com precisão.

Com fluidez retomo os pontos do crochê... Agulha, lã, aranha, teia, tecedura, fio...

Opa! Fio, Fiar... Com fio... Confiar!

Lá vou eu... Nova pesquisa: Confiar = Ter fé, esperar, ter confiança; Entregar aos cuidados, à fidelidade de alguém; Dizer em confidência alguma coisa a alguém.

Nossa! Confesso que durante alguns dias essas pesquisas me levaram a inúmeros questionamentos sobre como um simples artesanato contribui para tantas ‘tramas’, inclusive as neuronais, trazendo conseqüentemente evidencias sobre as constantes mudanças em nossas vidas. (Ah! Sem contar que o assunto ‘tema’ dos atendimentos em consultório durante estes dias foi praticamente unânime à questão da confiança...)

E, lá sigo eu buscando mais teceduras... E esbarro na minha contínua necessidade de transformação – Ação em transformar... Fiar com... (Ué, não seria confiar? Hum!!!)

Um ir e vir... Agulha e lã formando pontos, um nó aqui, um ali... Uma forma de envolver com... Agulha e lã corresponsáveis pela transformação... em direção ao novo ainda sem forma definida.

Puft! Como num passe de mágica (que nada! só mais uma sinapse em minha teia neuronal acontecendo e me levando às gavetas de memórias já conhecidas...) me recordo do conceito de Princípio da CORRESPONSABILIDADE inevitável, citado no livro de Augusto Cury - O Futuro da Humanidade.

Neste princípio é demonstrado que é impossível haver dois sistemas distintos. “Nele, o que existe são duas maneiras de ver e atuar no mesmo sistema. As pessoas jamais são completamente separadas umas das outras (o que seria da agulha sem a lã e vice-versa? Subconsciente e Consciente? Ops! Questionamentos meus invadindo a citação alheia...). Demonstra que as relações humanas são uma grande teia multifocal revelando que ninguém é uma ilha física, psíquica e social dentro da humanidade. TODOS SOMOS INFLUENCIADOS PELOS OUTROS e todos os atos (quer sejam conscientes ou inconscientes, construtivos ou destrutivos) alteram os acontecimentos e odesenvolvimento da própria humanidade".

Ai ai ai... De novo! Novamente! Mais sinapses e me lembro de outro livro que ganhei de outro cliente, onde nele, embora já a conhecesse, reli a filosofia do caipira: “Quem cossô? On co to? Don co vim? Pron co vô?

Traduzindo: “Quem eu sou? Onde estou? De onde vim? Para onde vou? De filósofo caipira a outros filósofos... E, é na esperança em encontrar adequadas respostas a essas perguntas que me impulsiono a observar como vamos nos transformando... e, perseguindo o vai-e-vem do encontro entre lã e agulha, chegamos a todos os nossos encontros (bons encontros – boas teias).

Simples, profundo, preciso... Sim! Relacionamentos... Agulha e Lã se encontram e ali se confiam e se transformam...

Eureka!   Confiar...    Fiar com  =  bons encontros  =  relacionamentos! Uh, Hu!

Assim como o agasalho é a transformação através da disponibilidade de encontro e tecedura entre agulha e lã, somos transformados a partir dos encontros, desde que estejamos abertos e livres para sermos impactados pela idéia e sentimento do outro.

Num ímpeto egóico, concluo: Agasalho = SER... E, tecedura = processo de construção do indivíduo... Ufa!

Nããããooooo! Que conceito é esse? Oh! Céus... Mais pesquisas???

o.... Não se faz necessário a comprovação de nenhuma verdade absoluta...

A satisfação por hora é a percepção de que tornar-se indivíduo faz parte de um edificante e lindo processo onde, assim como a aranha que tece sua teia a partir de algo que vem de dentro, o ser humano confia e entrega-se às experiências de tecedura nos relacionamentos com a qualidade que brota do coração (aqui não tem certo nem errado; nem bom nem ruim; nem justo nem correto...) e, nesses bons encontros vai construindo uma consciência (ou seria Com Ciência?... rs – não se preocupe... não pretendo estender-me em nenhuma nova pesquisa...) para se tornar inteiro, individuado, ou seja, ser aquilo que deve ser... (aqui me dou conta de duas coisas que absolutamente não abro mão: Meu processo pessoal de autoconhecimento e a sustentação do caminho partindo de uma frase de Carlos Drummond de Andrade: "A confiança é um ato de fé, e esta dispensa raciocínio”).

Eu, imitando a lã que se entrega aos suaves movimentos da agulha permitindo a formação de um Novo Todo e, de alguma forma me sentindo a própria aranha, busco constantemente o meu FIO que sei também vir de dentro...

E, no meu fiar com sigo em minhas sensações, meus pensamentos, minhas intuições e meus sentimentos; agulhas internas que permitem oDESenvolvimento do meu próprio agasalho... 

Postagens mais visitadas